Oque separa uma produção de 700 mil toneladas de uma de quase três milhões de toneladas, ou a condição de grande importador para a de segundo maior exportador de pluma de algodão do planeta não são números que se mensurem em unidades de peso, mas que se marcam no calendário. Vinte anos se passaram desde que, em 7 de abril de 1999, foi criada a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). A entidade já nasceu sob o signo do desenvolvimento, tendo por estratégia a sustentabilidade da atividade. Ao surgir, como a materialização da união dos cotonicultores do Brasil, a Abrapa deixava para trás uma história secular de fracassos, sucessos temporários e recomeços da cotonicultura brasileira como atividade econômica, para inaugurar uma nova página na história, cravando decisivamente o nome do Brasil no mapa mundial do algodão.
Na safra 2018/2019, que começará a ser colhida em mais alguns dias, a Abrapa e o mercado esperam uma produção nacional de 2,8 milhões de toneladas de pluma. Nos dez estados produtores de algodão do país, as lavouras devem alcançar produtividade média de 1770 quilos por hectare, índice considerado entre os maiores do mundo, principalmente por se tratarem de cultivos em regime de sequeiro. Para os ciclos adiante, a expectativa é de crescimento de área e produção, principalmente, na chamada segunda-safra, cujo plantio é feito na sequência da soja precoce, sistema para o qual o centro-oeste do país, com destaque para o estado de Mato Grosso, tem grande aptidão.
Com o crescimento vertiginoso da produção, e a estagnação da demanda do mercado interno em cerca de 700 mil toneladas, o excedente de pluma que o Brasil deve produzir é três vezes maior do que a indústria têxtil nacional é capaz de consumir, e precisa ser totalmente exportado. A capacidade de escoamento da safra por rodovias e portos, contudo, não acompanhou esse crescimento e ameaça penalizar o produtor justamente pela sua competência. Por essa razão, logística tem sido uma prioridade para a Abrapa, definindo as ações da instituição para o futuro a curto, médio e longo prazo, somando-se às sua quatro grandes frentes de trabalho: qualidade, sustentabilidade, rastreabilidade e promoção.
Produzir cada vez mais, mesmo sabendo que podem haver implicações é um “bom problema”. O tipo do desafio que a Abrapa costuma assumir. O novo contexto da produção da pluma impacta tanto nas condições para garantir a entrega do produto para os clientes, a maioria deles, localizados na Ásia, quanto em todas as atividades que a associação desenvolve como programa – Algodão Brasileiro Responsável (ABR), Standard Brasil HVI (SBRHVI), Sistema Abrapa de Identificação (SAI) e Sou de Algodão. Interfere também nas ações de promoção da pluma, que focam em relacionamento para abertura e consolidação de mercados. Dentre elas, as missões Compradores e Vendedores.
Atuantes e em dia com o seu tempo, os presidentes que passaram pelo comando da associação, assim como o da gestão em curso, relembram a trajetória de duas décadas da entidade que ajudaram a criar e olham para frente, tentando prever os grandes desafios, partindo do momento em que o Brasil se consolida como player de peso no algodão, que agora passa a influenciar no comportamento do mercado.
Novos paradigmas
Para o atual presidente da entidade, Milton Garbugio, a Abrapa rompeu com modelos arcaicos de cotonicultura para estabelecer novos paradigmas. “Mudamos de região produtiva no Brasil, investimos em qualidade e em aumento da produção; prosperamos no cerrado, uma região que era desacreditada, e hoje o Brasil é reconhecido mundialmente como um país fornecedor de pluma sério, que honra os seus contratos e tem um produto de excelência para oferecer”, ressalta. Garbugio vê ainda muitas oportunidades de crescimento, tanto de área e produção, quanto de mercado. “Nosso algodão é produzido em bases sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e econômico. Cada vez mais, isso é o que o cliente quer”, diz. Atualmente, o país já tem a maior participação, estimada em cerca de 30%, no montante mundial de pluma licenciada pela ONG suíça Better Cotton Initiative (BCI). Chegar a este estágio foi possível graças à criação do programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que, desde 2012, opera em benchmarking com a BCI.
Decisões acertadas
Dentre as decisões acertadas que a Abrapa tomou desde a fundação, e que, a seu ver, respondem por parte do sucesso da associação, o ex-presidente João Luiz Ribas Pessa, o primeiro a assumir o comando da entidade, salienta os mandatos sem reeleição. “Evitar a perpetuação na presidência, porém com segurança de continuidade na linha da gestão, permitiu que a Abrapa pudesse atuar sob perspectivas diferentes, evitando a estagnação”, afirma Pessa. Ele destaca a representatividade estadual, através das associações filiadas nos estados produtores, como outro fator para o êxito da nacional. “Além desses, tem o fato de que a Abrapa não foi criada para competir com os outros elos da cadeia produtiva, como seus fornecedores, a indústria ou os exportadores. Entidades como a Abit e a Anea, são nossas parceiras”, diz.
Ainda segundo Pessa, no âmbito governamental, a associação assumiu uma postura proativa. “Não chegamos na porta do Executivo apenas para pedir. Quando a Abrapa vai com um problema ao Governo, ela já leva também a solução e se compromete a ser parte da viabilização da proposta”, revela Pessa, que considera os problemas logísticos e o excesso de burocracia nas exportações como os grandes gargalos do setor que pautarão a entidade nos próximos anos.
Olhar o todo
Os anos iniciais da Abrapa e os percalços pelos quais passava a cotonicultura nacional ainda estão vívidos na lembrança do segundo presidente da história da Abrapa, Jorge Maeda, que liderou a instituição entre maio de 2002 e março de 2006. “A Abrapa surgiu num contexto de crise muito grande. Os produtores de algodão se juntaram para tentar reverter essa situação, escrever uma nova história. O bonito dessa união é que ela se deu de fato entre aqueles que cultivavam algodão, sem incursões de outros agentes, e conquistou credibilidade”, relata. Maeda destaca o papel da iniciativa privada na trajetória da associação, em especial da empresa FMC, cujo apoio, em sua opinião, foi um catalisador do processo. A afinidade de objetivos ao longo das sucessivas gestões também responde, para Maeda, pelo sucesso da Abrapa. “A Abrapa sempre olhou para o todo, e não para o individual. Nada ilustra melhor isso que a vitória na Organização Mundial do Comércio (OMC), que possibilitou o investimento em pesquisa e abertura de mercados. Os recursos foram e devem ser sempre usados em prol da sustentabilidade da atividade”, diz.
Forte e reconhecida
“A Abrapa hoje é a associação de produtores rurais, dentre todas as culturas, mais forte e reconhecida pelos nossos clientes e Governo, dentro e fora do Brasil, inclusive, frente a outras entidades da cadeia produtiva”, afirma Eduardo Logemann, que presidiu a Abrapa de março a maio de 2006. Segundo ele, dentre todas as associações de classe do agro, a Abrapa é a “mais consolidada; a que tem mais credibilidade, imagem ilibada e idônea. Esse é o maior legado em 20 anos. Chegamos até aqui porque olhamos todos na mesma direção, a do algodão brasileiro”, completa.
Dentre os principais desafios numa agenda da Abrapa para as próximas duas décadas, Logemann frisa a abertura de novos mercados. “O trabalho daqui para a frente é tão importante quanto o que foi feito até agora. Já fomos o oitavo exportador mundial e seremos o segundo nesta safra. Nosso esforço, portanto, passa a ser redobrado, para colocar essa produção no mundo. Promover o algodão como fibra natural na concorrência com o sintético e evidenciar o nosso grande trunfo que é a sustentabilidade”, considera o ex-presidente. Logemann recorda os primeiros embarques de pluma, da ordem de 200 mil toneladas, contra os 2,1 milhões de toneladas previstos para 2018/2019. Ele destaca a importância de seguir com as missões Compradores e Vendedores, como estratégia de conquista e consolidação dos clientes internacionais.
Performance potencializada
Presidente da Abrapa por dois mandatos – 2006/2008 e 2015/2016 – João Carlos Jacobsen Rodrigues diz que, comparando um e outro período, parece claro que, na essência, a Abrapa permanece a mesma, não desviando um momento sequer da sua missão de defender a cotonicultura brasileira, promovê-la e propagá-la. “Na performance, prevalece o estilo arrojado e combativo, direcionado para excelência e resultados, que nos caracterizam desde a fundação. Mas no operacional ela mudou radicalmente”, compara. Para ele, a resposta para o incremento no poder de atuação da entidade está tanto na maturidade da instituição ao longo das muitas gestões, quanto na força que adquiriu por ser assertiva em suas ações. “Com o advento do Instituto Brasileiro do Algodão–IBA, resultado direto de uma das mais importantes batalhas já vencidas na história do agronegócio brasileiro, finalmente, pudemos tirar os planos do papel e promover mudanças que deverão ser as bases de um novo tempo para o nosso algodão, seja no campo, no mercado, ou no dia a dia das pessoas”, explica. Ele dá como exemplo o programa Standard Brasil HVI (SBRHVI), em especial o pilar relativo ao Centro Brasileiro de Referência em Análise de Algodão (CBRA) que, ao padronizar e verificar a classificação de pluma por High Volume Instrument (HVI) no território nacional, está ajudando a fortalecer e valorizar a imagem do algodão brasileiro e do Brasil como origem de qualidade e credibilidade. Jacobsen também enfatiza a certificação internacional do CBRA, que o torna mais respeitado no mercado mundial. Da mesma forma, destaca o investimento em propagação da imagem da fibra natural junto ao consumidor final, com movimento Sou de Algodão, cujo foco é o aumento da demanda interna do produto, a partir de iniciativas de comunicação para tornar conhecidos os seus atributos positivos.
Divisor de águas
A batalha histórica na Organização Mundial do Comércio (OMC) também é lembrada pelo quinto presidente da Abrapa, Haroldo da Cunha, como um divisor de águas e um sinal de que a sociedade organizada é capaz de alcançar grandes resultados. “Prova disso foi a luta que a associação encampou contra os subsídios do governo americano aos cotonicultores dos Estados Unidos. Essa batalha culminou com a vitória do Brasil, que trouxe benefícios concretos à produção. A Abrapa era uma entidade há dez anos e hoje é outra, graças à compensação financeira decorrente desse marco em sua existência. Ela passou a ter recursos para desenvolver projetos”, afirma Cunha, para quem a associação está sempre “antenada com o que o setor precisa e pronta para atuar pela sustentabilidade da cotonicultura nacional”. Haroldo da Cunha lembra que a primeira vitória se deu em 2006, quando saiu a decisão positiva de retaliação e se discutiu a modalidade em que ela se daria. “Em 2008, veio a vitória final. Em 2009 definiu-se a modalidade e, em 2010, nasceu o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA)”, enumera Cunha, que atualmente é presidente do IBA.
Um passo à frente
A Abrapa, pensando e agindo como todo, foi decisiva na elevação do Brasil ao lugar de destaque que conquistou no fornecimento mundial de pluma de qualidade, deixando para trás o histórico de grande importador no qual figurou no final do século XX. “A Abrapa foi fundamental nessa virada. Foi um trabalho árduo de marketing pela qualidade e pela credibilidade do algodão. Estamos colhendo os frutos desse esforço, mas ele tem de continuar. Precisamos intensificar nosso marketing e promoção para ganharmos mercado e preferência entre os nossos clientes internacionais”, alerta o ex-presidente Sérgio De Marco, que conduziu a entidade entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012.
Já para Gilson Pinesso, presidente da Abrapa no biênio 2013-2014, a associação é a mola-mestra do desenvolvimento do chamado novo algodão brasileiro, que prosperou no cerrado a partir do final da década de 1990. “Investimos em marketing internacional, em qualidade e rastreabilidade e nos tornamos um player respeitado no mundo. Para tudo isso, foi importante o empenho dos cotonicultores”, lembra-se. Em sua visão, o desafio agora é a logística para escoamento da safra, “para fazer nossa pluma chegar no destino final o quanto antes. Dentro da fazenda, estamos preparados para crescer e ocupar novos mercados”, comemora. Ele lembra que a entidade sempre esteve “um passo à frente, comprometida com o algodão e também com o agro brasileiro”.
O mais difícil já foi feito
Para o penúltimo presidente da Abrapa em 20 anos, Arlindo de Azevedo Moura, que geriu a instituição no biênio 2017-2018, o aumento da área plantada está na base da guinada da cotonicultura brasileira no mercado mundial. Somada às estratégias de promoção que a entidade desenvolve, a expansão nas lavouras ajudou a posicionar o Brasil como grande fornecedor. “Em breve deveremos ocupar o primeiro lugar do pódio de exportadores, porque o atual número um, os Estados Unidos, têm uma produtividade muito baixa, de cerca de 940 quilos por hectare”, diz. Moura credita a baixa performance do concorrente aos subsídios que recebem do governo, sem os quais a atividade lá dificilmente seria sustentável. Enquanto isso, a produtividade média do Brasil é de aproximadamente 1770 quilos por hectare. “O mais difícil foi chegar onde chegamos. Temos muita área disponível no centro-oeste, principalmente, para fazer segunda safra. São terras já abertas, e não precisamos derrubar uma só árvore. Sempre digo que é bom plantar algodão. De 20 a 30% na matriz produtiva, fazendo rotação de culturas com soja e milho”, prescreve. A segunda safra, explica Moura, tem um ciclo menor, porque as variedades são mais precoces. “Esse tipo de plantio demanda menos aplicações e insumos, o que diminui o custo com a soja. Cada vez mais, a Abrapa tem de concentrar esforços em abrir e manter mercados, continuar e intensificar suas missões e nunca perder esse espírito de união e colaboração que a caracteriza desde sua fundação.
Fonte: Abrapa